terça-feira, 3 de abril de 2012

O enterro do'' não consigo'',descanse em paz...(Histórias para aquecer o coração)

A turma do quinto ano de Donna parecia-se com qualquer outra de antigamente.
Os alunos sentavam-se em cinco fileiras de seis carteiras. A mesa do professor era de frente para as das crianças. Em quase tudoera uma classe típica do ensino fundamental.
Mas alguma coisa parecia diferente naquele dia em que estive lá pela primeira vez.Havia uma certa agitação oculta.
Donna era uma professora antiga naquela pequena cidade do estado de Michigan e voluntária no desenvolvimento de um projeto local que eu idealizara.
A idéia era transmitir aos alunos os meios de aumentar a confiança e a capacidade por meio da linguagem.Donna assistia ás sessões de treinamento para implementar os conceitos apresentados.
Eu me ocupava de fazer visitas ás turmas e apoiar a implementação.
Sentei -me no fundo da sala e fiquei observando.Todos os alunos estavam ocupados,
preenchendo uma folha.
O menino de dez anos, mais perto de mim, enchia a folha de uma série de "não consigo".
"Não consigo ultrapassar a linha de defesa no futebol."
"Não consigo fazer contas de dividir com mais de três números."
"Não consigo fazer Debbie gostar de mim."
"Não consigo fazer dez flexões."
"Não consigo comer apenas um biscoito."
Fiquei interessada e decidi verificar com a professora o que estava acontecendo.
Ao me aproximar dela, vi que estava concentrada no que escrevia. Olhei por cima do ombro e li:
"Não consigo trazer a mãe de John para uma reunião de professores."
"Não consigo fazer minha filha colocar gasolina no carro."
"Não consigo que Allan use palavras em vez dos punhos."
Sem entender por que os alunos e a professora estavam fazendo aquilo, voltei ao meu lugar e fiquei observando.
Os alunos escreveram por mais dez minutos. A maioria encheu a folha. Alguns pediram uma segunda.
-Basta preencher uma folha-Disse Donna,solicitando aos meninos que dobrassem os papéis e colocassem numa caixa de sapatos vazia.
Donna também colocou o dela na caixa, depois a tampou e se dirigiu á porta,seguindo pelo corredor.
Os alunos á acompanharam e eu a segui.
No meio do corredor a procissão parou.
Donna entrou na sala do zelador,e pegou uma pá. Com a caixa de sapatos em uma das mãos,e a pá na outra,a professora saiu do prédio e foi até o ponto extremo do pátio.
Lá começou a cavar.
Era o enterro do"Não consigo"!Quase todos os alunos quiseram cavar também.
Quando o buraco chegou a mais ou menos um metro ,a caixa dos "não consigos" foi colocada no fundo e coberta com terra.
Trinta crianças de dez e onze anos ficaram ali no local da cova.Nesse ponto ,Donna anunciou:
- Meninos e meninas, por favor dêem-se as mãos e inclinem as cabeças.
Os alunos fizeram um círculoem volta da covae, de cabeça baixa, esperaram que Donna falasse.
"Amigos, estamos hoje aqui reunidos em honra da memória do ‘Não consigo’. Enquanto esteve na Terra, ele tocou as vidas de todos , de alguns mais do que de outros.
Seu nome, infelizmente, foi pronunciado em escolas,prefeituras,assembléias legislativas e até mesmo na Casa Branca.
Providenciamos um local de descanso eterno para "Não consigo" que deixou os irmãos"Eu consigo","Eu farei" e "Eu vou seguir o caminho certo".
Eles não são tão conhecidos quanto seu parente nem tão fortes e poderosos.
Talvez algum dia, com a ajuda de vocês ,deixem sua marca no mundo e façam algo maior do que o parente morto. Que ‘Não Consigo'descanse em paz e que todos aqui presentes possam retomar suas vidas e seguir em frente . Amém."
Ouvindo o discurso,percebi que os alunos jamais esqueceriam esse dia. A atividade era simbólica, uma metáfora da vida.
Escrever "Não consigo" ,fazer o enterro,ouvir as palavras de despedida.Isso se devia a professora.E ela ainda não tinha terminado.Concluindo,levou os alunos de volta á sala,onde havia uma festa.
Celebraram a morte de "Não Consigo" com biscoitos, pipoca e sucos de frutas. Como parte da comemoração Donna fez uma lápide de papel pardo.No alto,escreveu
"Não Consigo" ,e no meio, "Descanse em Paz".A data embaixo.
A lápide ficou pendurada na sala até o final do ano.
Numa das raras ocasiões em que uma das crianças esquecia e falava "Não consigo", Donna simplesmente apontava para a lápide.
O aluno assim ,se lembrava de que "Não Consigo" estava morto e refazia a frase.
Eu não era um dos alunos de Donna mas seu professor.
Naquele dia porém ela me ensinou uma importante lição.
Hoje, anos depois, quando ouço a frase "Não Consigo",me lembro daquele funeral e recordo que "Não Consigo" está morto.

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